Os malditos do Lourdes

Por Gabriel Amorim


Esta é a segunda parte da reportagem sobre o Estádio Antônio Carlos.
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Até a inauguração da nova casa, o alvinegro tinha apenas três títulos do campeonato da cidade, precursor do Campeonato Mineiro. Durante esse período, por exemplo, o América conquistou o seu (controverso) deca campeonato. O período na nova casa começou complicado no quesito títulos, já que o ascendente e recém fundado Palestra Itália conquistou o seu primeiro título regional em 1928, ano de início das obras do Estádio Presidente Antônio Carlos. Não fosse o bastante, o time palestrino conquistou logo um tri campeonato. Em 1929 a equipe do Barro Preto derrotou o Atlético no primeiro confronto entre as equipes disputado no Estádio de Lourdes e voltaria a repetir a dose no ano seguinte, com vitória na casa alvinegra e título regional.

Apesar do insucesso dos anos anteriores, o Atlético se mostrava mais talentoso do que os resultados apontavam, principalmente pela sua formação de ataque. O trio que comandava as ações ofensivas daquela equipe entraria para a história atleticana pelas marcas que conquistaram: Mário de Castro, Said e Jairo de Almeida formavam o temido Trio Maldito e, juntos, eles têm um total de 459 gols em 99 partidas, com impressionante média de 4,63 gols por jogo.




O trio maldito castigou as defesas adversárias com acachapantes 459 gols. Acervo Clube Atlético Mineiro

Mário era o centroavante e principal ídolo daquela equipe. Seus 195 gols o colocam atualmente como o terceiro maior artilheiro da história do clube, apesar de ter disputado apenas 100 jogos. Em 1925, o mineiro de Formiga foi à capital para estudar Medicina. No ano seguinte, depois de participar de um treinamento no América, atravessou a Avenida Paraopeba, mudou de camisa e se juntou à esquadra alvinegra. Ironia do destino ou não, a estreia do atacante foi justamente contra o alviverde, em 23 de maio do mesmo ano.

Com o Atlético, foi bicampeão e artilheiro dos campeonatos mineiros de 1926 e 1927, conquistas alcançadas no antigo campo. Em 1929, Mário foi procurado pelo Fluminense, que acenou com um salário exorbitante para a época e a oportunidade de se profissionalizar pelo time das laranjeiras. Mário recusou o convite categoricamente, demonstrando o seu amor pelo clube mineiro. No entanto, o tricolor das laranjeiras voltou à carga, pediu que o avante desse o seu preço e assim Mário o fez: Queria duzentos contos de réis depositados em um banco, e mais quinhentos mil réis por gols assinalados. Além disso, queria a liberdade para sair do Rio quando bem entendesse. O Fluminense deu um passo atrás e percebeu que seria quase impossível abalar a vontade do atacante em defender as cores alvinegras.

Em 1930, ele deu mais uma demonstração de amor à camisa atleticana. Naquele ano seria disputada a primeira Copa do Mundo e a esquadra brasileira era composta basicamente por atletas que atuavam no Rio de Janeiro. Entretanto, representantes da antiga CBD viram a partida de inauguração do Estádio Antônio Carlos e ficaram impressionados com a qualidade do centroavante. Tempos depois, convocaram Mário para ser o reserva de Carvalho Leite, atacante do Botafogo-RJ, na disputa do mundial. Essa era a primeira convocação de um jogador mineiro para o time do Brasil, mas certo do seu amor pelo Atlético e inconformado com a posição de reserva, Mário de Castro cunhou a célebre frase: “o meu futebol é apenas para o Atlético” e recusou o chamado. A partir daí seu status com os torcedores atleticanos ficou ainda mais elevado e o seu amor pela equipe da capital mineira ganhou ainda mais notoriedade.

O segundo com mais gols no Trio Maldito foi Said Paulo Arges, mais conhecido como Said. O meia-direita nascido em Congonhas também foi para a capital estudar. No caso de Arges, o curso escolhido foi o Direito. Seu amor pelo futebol era a sua maior marca e, para poder continuar jogando, estendeu os seus estudos por quase uma década. Naquela época era comum os jogadores atuarem apenas durante o período em que estavam estudando, pois o futebol ainda era amador em muitos estados, como Minas Gerais, e ainda não era visto com uma profissão glamorosa. Said era membro da comunidade árabe belo-horizontina. Por conta das suas origens e pela potência da perna destra, recebeu o apelido de Abi-Chute. O meia marcou um total de 142 gols com a camisa atleticana.

Jairo foi o último integrante do tão temido Trio Maldito e se destacou pelo seu futebol cerebral e técnico. Natural de Muriaé, o ponteiro também se mudou para BH para estudar Medicina. Durante 1926 e 1933, foi um dos jogadores de destaque do alvinegro, principalmente na criação de jogadas. No total, anotou 122 tentos com a camisa preta e branca.




Said, Jairo e Mário de Castro. Cada um a seu jeito, com seu estilo, mas que juntos eram letais. Acervo Clube Atlético Mineiro

O Atlético ficou cerca de três anos sem levantar uma taça em seu estádio. No entanto, os primeiros anos da nova década seriam de grande sucesso do trio e do time alvinegro. Em 1931, o clube conquistou o Campeonato da Cidade, superando na finalíssima o Palestra Itália, que vinha de um tricampeonato no torneio. Pela primeira vez, o time atleticano levantou um troféu jogando no Estádio Antônio Carlos.

Depois de um empate nos pontos corridos, o título seria decidido em uma melhor de melhor de três, com o primeiro confronto disputado no gramado celeste. A partida terminou com vitória do Atlético-MG por 2 a 1. Antes da partida de volta, a polêmica: o Palestra disse que só entraria em campo com a presença de um árbitro do Rio de Janeiro, como havia sido acordado entre as agremiações. O time responsável pela arbitragem era o Atlético, mandante da partida, que indicou três nomes que não agradaram o Palestra Itália. O time celeste não se sentiu seguro na casa do rival sem um árbitro neutro e, por conta da confusão que ocorreu no jogo preliminar, se recusou a entrar em campo. Foi tentada uma mudança de data, mas o time celeste rompeu relações com o alvinegro e com a Federação. A entidade determinou que o Atlético desse o pontapé inicial mesmo sem o adversário e consagrou o time de Lourdes como campeão de 1931.

A dissidência foi significativa e levou América, Palestra e Villa Nova a abandonarem a Liga Mineira de Desportos Terrestres (LMDT), sob a acusação de favorecimento ao Atlético. Os clubes se juntaram a Vespasiano, Sete de Setembro e Grêmio Ludopédio e fundaram a Associação Mineira de Esportes Geraes (AMEG), dando início a um campeonato alternativo logo em 1932.

Na liga da AMEG, o campeão foi o Villa Nova, com o Palestra em segundo. A Liga da LMDT, considerado o campeonato principal, ficou apenas com o Atlético e equipes de menor expressão, o que levou ao título invicto do alvinegro. Esse foi o último título do Trio Maldito. Naquele ano, Mário de Castro se formou em Medicina e pendurou as chuteiras. Voltou para Formiga, onde trabalhou como médico até se aposentar. Apesar disso, continuou atuando no time local e retornou ao Atlético em 1940, marcando o seu 195° gol em sua partida de despedida.

Jairo jogou por mais um ano e seguiu também a carreira de médico. Said também ficou em BH até 1933, ano em que se transferiu para o Fluminense, clube em que ficou por apenas um ano. Após a passagem por terras cariocas, Said voltou ao Atlético, mas sem repetir o mesmo sucesso dos tempos de Trio Maldito.




Os ternos e cartolas indicam como as arquibancadas de futebol eram frequentadas pela elite no início do século passado. Foto: Alexandre Campos (acervo pessoal)

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