Cidade crescente, estádio decadente

Por Gabriel Amorim


Esta é a quarta parte da reportagem sobre o Estádio Antônio Carlos.
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Em 1950, ano da primeira Copa do Mundo no Brasil, foi inaugurado aquele que seria o estádio mineiro para o mundial: o imponente Independência. De começo, essa seria a nova casa do Sete de Setembro e o estádio, que era o maior do estado, começou a atrair os grandes jogos dos times mineiros. Já era comum que alguns jogos do torneio regional fossem disputados em outros estádios que não as casas oficiais dos clubes, e o Atlético já havia mandado alguns jogos fora do Estadinho da Colina, assim apelidado devido ao relevo do terreno em que estava o campo. No entanto, a chegada do campo no Horto mudou bastante essa dinâmica. Como Atlético-MG, Cruzeiro e América tinham as suas próprias casas, passou a ser cada vez mais comum o acordo para que os clássicos fossem disputados em locais neutros. Assim o Independência começou a ganhar muita força. Além disso, os jogos decisivos de alguns torneios eram disputados no novo estádio da capital, mais uma vez em busca dessa neutralidade nas disputas.




Visão a partir da Avenida Olegário Maciel de como era o lado de fora do estádio. À direita o terreno que hoje abriga a sede social do Atlético. Foto: Alexandre Campos (acervo pessoal)

Outro fato marcante na época foi que os Estádios do Barro Preto (casa do Palestra) e o Alameda (campo do América), receberam reformas consideráveis na década de 1940. As mudanças no Estádio de Lourdes aconteceram, mas foram bem menos significativas do que nos estádios rivais, o que acentuava a defasagem do campo atleticano.

Contudo, o alvinegro continuou a disputar jogos em sua casa e conquistou ainda um pentacampeonato entre 1952 e 1956. O último dos títulos foi rodeado por mais uma polêmica com o rival celeste, que agora já era Cruzeiro.

O zagueiro atleticano Laércio, não tinha prestado o serviço militar obrigatório e, por isso, não podia trabalhar. Como foi escalado nas finais do Mineiro, o Cruzeiro entrou com um recurso pedindo os pontos da segunda partida da melhor de três, que havia terminado empatada. A briga judicial se estendeu até 1959, depois de vários recursos, quando a FMF tentou marcar outro jogo, o que não foi aceito pelos clubes, que acabaram dividindo o título de 1956. Em campo, a disputa foi definida em um terceiro jogo de desempate em que o Atlético havia derrotado o Cruzeiro por 3 a 2.

Com o passar dos anos a frequência dos jogos no Lourdes era cada vez menor, até que em 4 de novembro de 1962 o alvinegro disputou a sua última partida do regional no Estádio Presidente Antônio Carlos, contra o Villa Nova. Mais uma vez os atleticanos saíram vitoriosos e com uma chuva de gols, em uma despedida digna dos grandes ataques que desfilaram por aquele gramado, com o confronto terminado em 5 a 1.

Desde 1933, o estádio tinha também um acanhado alojamento e os primeiros residentes foram nada menos do que Guará e Nicola, dois campeões do Torneio dos Campeões em 1937 com o time preto e branco, que se mudaram de Ubá para BH. Passaram pelo alojamento, ainda, grandes nomes da equipe mineira e da seleção brasileira como Toninho Cerezo e Reinaldo, que inclusive foram alguns dos últimos atletas a viver debaixo das arquibancadas do histórico estádio.

A cidade cresceu e a demanda por estádios maiores e mais bem estruturados foi aumentando cada vez mais, até que na década de 60 o Atlético parou de mandar seus jogos no Estádio Presidente Antônio Carlos. Em sete de junho de 1968 foi realizada a última partida no Estadinho da Colina, em um amistoso contra a Seleção Industrial, vencido pelo alvinegro por 3 a 0. A partir daí o local passou a ser utilizado quase que somente como alojamento, já que, além do Independência, agora existia também o Mineirão, o grande estádio de Minas Gerais, com capacidade para mais de 70 mil pessoas. O local sediou ainda treinamentos das equipes profissionais e de base, além de jogos dos aspirantes, uma espécie de time B.

Como a popularidade do Atlético era cada vez maior, a torcida cresceu em números consideráveis durante essas décadas e a mudança para um local com maior capacidade era quase inevitável.

Em dezembro de 1970, o Estádio de Lourdes foi desapropriado pelo prefeito de Belo Horizonte, Luiz de Souza Lima, atendendo a uma solicitação do próprio Atlético-MG, que estava em situação financeira complicada e não podia mais arcar com os custos do local. O decreto definiu que a prefeitura deveria dar utilidade social para o terreno, sob o risco de perda de posse.

Durante o período em que esteve sob administração da prefeitura, o local foi utilizado para diversos eventos, sejam eles próprios ou de terceiros. O local chegou até mesmo a sediar um rodeio. Transformado em “área de lazer Princesa Isabel” recebeu eventos sindicais, de trabalhadores, da própria prefeitura, entre outros.

Do ostracismo à repressão

Um acontecimento em específico movimentou toda a cidade e mexeu com trabalhadores, forças sindicais, civis e militares. Em 1979, a ditadura ainda vigorava no Brasil e tanto a insatisfação quanto a repressão policial eram constantes. No dia 30 de julho, a classe dos operários da construção organizou um grande movimento reivindicando melhores salários, condições de trabalho e contra a opressão que sofriam. A manifestação ficaria conhecida como “Rebelião dos pedreiros”.

Naquele dia, quase todas as obras foram paralisadas em Belo Horizonte. Cerca de 30 mil operários saíram dos canteiros de obras para as ruas em direção à Praça da Estação. A polícia tentou cercar os manifestantes que romperam o cerco partindo em passeata para o local onde estava situado o Estádio Antônio Carlos. Um táxi, que forçou caminho entre a multidão, atropelou um operário. O motorista se recusou a socorrer o ferido e o carro foi incendiado no meio da avenida. Em frente ao antigo campo do Atlético, na avenida Olegário Maciel, a tropa da PM investiu contra os operários com cacetadas e disparando tiros de revólveres.

Um dos tiros disparados pela PM atingiu um manifestante, como conta Déa Januzzi, jornalista do Estado de Minas que cobriu o acontecimento:

“Depois de o estádio ser fechado para o futebol ficou tudo cercado e lá ficou deserto mesmo. O local virou um palco de protestos, de lutas, de movimentos sociais, parecido com o que é a praça sete hoje.

Em 1979 eu já estava trabalhando no Estado de Minas e estava acontecendo uma manifestação dos operários da construção civil. O grande momento da manifestação aconteceu no dia 30 de junho, no local aonde ficava o Estádio Presidente Antônio Carlos. Ainda estávamos no período da ditadura e esse tipo de manifestação popular era sempre conturbada. Os pedreiros começaram a manifestação na Praça da Estação e eu fui cobrir o ocorrido junto com dois colegas, Maria Cristina Bahia e o fotógrafo Alberto Escaldo. Quando a manifestação chegou ao Lourdes, no terreno onde hoje fica o Diamond, a polícia deu um tiro no pedreiro Orocílio, bem na nossa frente. Ficamos super emocionados e fizemos uma matéria imensa para o jornal. Mas no dia seguinte saíram apenas três linhas”.

Depois que o tiro acertou Orocílio Martins Gonçalves, os operários responderam com pedradas e a repressão aumentou. Os manifestantes tentaram resgatar o corpo do companheiro morto, mas foram impedidos pela chuva de balas que a PM continuou a disparar.

Devido ao início da greve no dia 30, a cidade parou. Nos últimos dias do mês de julho, o comércio cerrou suas portas no centro de Belo Horizonte. O antigo campo do Atlético foi palco de concorridíssimas assembleias, onde milhares de operários despertaram-se para a luta.

No dia seguinte, foi organizada uma assembleia, ainda no antigo estádio atleticano. Francisco Pizarro, na época presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, comandou uma votação para definir se o movimento terminaria, devido a uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG) que considerou a greve legal, determinando o reajuste salarial, o pagamento dos dias parados e o retorno imediato ao trabalho. A sentença, porém, não englobava todas as reivindicações. Favorecia, na verdade, uma estratégia patronal, cuja contraproposta provocava uma divisão na categoria. Foi exatamente isso que aconteceu.

A cisão entre os trabalhadores ficou evidente quando as partes se posicionaram e o conflito interno se aqueceu, com operários se enfrentando. Depois da confusão a rebelião parou por ali e a antiga casa atleticana, antes palco de grandes embates dentro das quatro linhas, foi abrigo para uma das passagens de resistência da classe trabalhadora mais relevantes durante o período da ditadura.

Em 1986 a PBH tentou retomar o uso esportivo do local, construindo ali um campo de lazer. Em 1991 a justiça determinou a retomada do local para o time alvinegro, que já sondava desde 1985 a construção de um Shopping Center no terreno.

No ano seguinte, em 1992, o Atlético firmou um acordo com a Multiplan, e em 1994 começam as obras para o novo centro comercial. Finalizadas dois anos depois, elas deram origem a um importante Shopping da capital, Diamond Mall, até hoje destacado na arquitetura do bairro. Ao lado do shopping está a sede social do atlético, fundada em 1962, e a loja oficial do clube.

Em 2017, quase um século depois da inauguração do primeiro estádio próprio, as movimentações dentro do time alvinegro para que o Atlético tenha uma nova casa voltaram com tudo. Em 18 de setembro deste ano o Conselho Deliberativo atleticano aprovou o projeto para a construção de uma nova arena, que terá capacidade para 41.800 pessoas.

Diferentemente do estádio Antônio Carlos, o novo estádio alvinegro será erguido no Regional Oeste de Belo Horizonte, mais especificamente no bairro Califórnia. Inspirada na Juventus (ITA), a diretoria elaborou o projeto visando maximizar os ganhos com os jogos em que será mandante, além de buscar uma maior abrangência no público que assiste as partidas.

O desenho do novo estádio conta inclusive com a volta da chamada “geral”, setor com ingressos mais populares e menos requinte nas instalações. Durante muitos anos a “geral” foi uma das facetas mais reconhecidas da torcida atleticana nas décadas em que o time mandava seus jogos no Mineirão.

O custo estimado de construção está em R$ 410 milhões e para a aprovação no conselho o projeto apresentou alguns dos pontos principais para o financiamento da obra. O terreno escolhido já é propriedade da principal parceira comercial nessa empreitada, a construtora MRV, que concordou em doar a área ao clube. Além disso, um acordo de naming rights entre MRV e a nova arena alvinegra já está firmado, e também existe um acerto para que a construtora possa negociar cadeiras cativas no estádio. O restante da verba virá da venda da sua parte relativa ao Shopping Diamond Mall. O terreno foi centro de diversas disputas e controvérsias ao longo da história atleticana e renderá ao clube cerca de R$250 milhões por 50,1% do terreno e seus direitos relacionados.