Estádio Antônio Carlos

Por Gabriel Amorim

O sonho da casa Alvinegra

O sonho da casa própria. O brasileiro é completamente apaixonado pela possibilidade de possuir um imóvel próprio e essa relação, é claro, extrapola a vida pessoal, chegando a um setor muito bem quisto na nossa sociedade: o futebol. Possuir um estádio, uma casa regular construída e administrada pelo clube, é uma pauta quase indispensável da maioria das agremiações brasileiras. Os que já possuem o próprio campo usam isso como um argumento para menosprezar os adversários e essa se torna uma questão de honra para alguns torcedores e dirigentes.

Em Belo Horizonte, os grandes times seguem sonhando com essa realização. Nenhum dos mais relevantes, Atlético, Cruzeiro e América, têm hoje um estádio próprio, atuando em casas alugadas ou emprestadas. O que muita gente não sabe é que esses três clubes já possuíram um estádio para chamar de seu. Na história do Clube Atlético Mineiro, em particular, são enormes as semelhanças entre o que se desejava no passado e os discursos e pretensões da diretoria e dos torcedores do presente.

Vamos voltar à década de 1920. Até então, o coração do futebol na capital mineira se encontrava na Avenida Augusto de Lima (Ver mapa), à época chamada de Avenida Paraopeba. No terreno onde hoje se encontra o Minascentro estava localizado o campo em que o Atlético Mineiro mandava as suas partidas. Logo em frente, onde fica hoje o Mercado Central, o rival América disputava seus jogos. Ambos os terrenos haviam sido repassados pela prefeitura, que em anos anteriores havia incentivado a construção de novos estádios como forma de fomentar o futebol em BH.

A partir de 1926, a prefeitura da cidade buscou reaver os terrenos cedidos aos clubes permutando as áreas por outros lotes em regiões menos valorizadas de Belo Horizonte. No caso do , o terreno recebido é hoje bem familiar a quem vive na cidade. Em troca do seu lote na Avenida Paraopeba, o clube recebeu o quarteirão número 13 da 9ª seção urbana, localizado no bairro Lourdes, entre as ruas Gonçalves Dias, Rio Grande do Sul, Bernardo Guimarães e a avenida São Francisco (atual Olegário Maciel), além de uma indenização de trezentos e cinquenta contos de réis.

Em 13 de janeiro daquele ano, uma assembleia foi realizada na sede do clube, selando a troca dos terrenos. A decisão oficial viria no dia 22 do mesmo mês.

Apesar da empolgação das pessoas que administravam o clube frente a possibilidade da construção do novo estádio, as obras só foram iniciadas em 1928, graças a um importante aliado: o então Presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeira de Andrada. Naquela época o representante máximo do poder executivo em cada estado da Federação ocupava o cargo de Presidente, e não de governador como nos dias atuais. O político, por meio de um aporte financeiro de 300 mil réis e da disponibilização de mão de obra para levantar o estádio, foi fundamental para a conclusão da obra.




Operários da construção civil erguendo o estádio. Foto: Alexandre Campos (acervo pessoal)

A importância do político para o sucesso das obras foi tão grande que o clube decidiu homenageá-lo, nomeando o estádio como Presidente Antônio Carlos. A relação próxima entre o clube, o presidente de Minas Gerais e a nova arena ficou ainda mais evidente na partida de inauguração. No dia 30 de maio de 1929, a nova casa atleticana foi inaugurada, cercada de grande expectativa e com igual repercussão na vida da cidade. “A inauguração, hontem realizada, com o maior brilho e enthusiasmo, do grande e imponente ‘stadium’ ‘Presidente Antônio Carlos’ do Clube Atlético Mineiro, foi um acontecimento que ficará memorável nos annaes desportivos do nosso Estado”. Foi assim que a edição do dia seguinte do jornal Minas Geraes abriu o texto sobre a inauguração atleticana.




Jornal Minas Geraes. Belo Horizonte, 31 de maio de 1929, p. 5

A possibilidade de um novo local para as disputas futebolísticas animou a toda a população da capital e movimentou diversos políticos renomados da época. Todo o fervor que cercava esse evento fica evidente pela passagem em que diversos estabelecimentos comerciais fecharam as portas para que os seus funcionários pudessem acompanhar a partida, em ato muito semelhante ao que é possível observar em jogo da Seleção Brasileira durante a realização da Copa do Mundo.




Jornal Minas Geraes. Belo Horizonte, 30 maio 1929. Seção Desportos, p. 10.

A comitiva de notáveis que se dirigiram ao campo contou, é claro, com o presidente do estado, além de sua filha Luizita Andrada – que seria a madrinha do estádio; do secretário de interior, Francisco Campos; do secretário da segurança e assistência pública, Bias Fortes; do prefeito de Belo Horizonte, Cristiano Machado; do diretor da Imprensa Official, Abílio Barreto, entre outros nomes. A inauguração não foi apenas mais um amistoso, mas sim um grande evento social em toda a capital.




Acompanhados de figuras políticas, os jogadores atleticanos posam para a inauguração do estádio. Acervo Clube Atlético Mineiro

Com capacidade oficial para mais de 15 mil pessoas e uma arquitetura inspirada nos mais modernos estádios ingleses, o estádio alvinegro localizado no bairro de Lourdes se colocava logo de cara entre um dos mais imponentes do país, com o objetivo de rivalizar com os grandes gramados do eixo Rio-São Paulo, como São Januário, Parque São Jorge e Vila Belmiro. Naquele dia, o Antônio Carlos recebeu expressivos 30 mil torcedores, como revelou o jornal Minas Geraes do dia seguinte à inauguração.

“As archibancadas, circumdando o campo em fórma de U, e comportando em lotação 15.000 pessoas, são de duas categorias: as geraes, descobertas; e a parte nobre, toda abrigada por uma cobertura. Esta ultima, com 80 metros de comprimento, formando fachada sobre a rua Rio Grande do Sul, divide-se em três partes distinctas, com entradas independentes e cada uma servida pelo seu bar com hygienicas e confortáveis instalações sanitarias. As partes lateraes, se destinam aos assistentes contribuintes e a central é reservada aos socios, com accommodação especial para chronistas desportivos, membros da directoria e convidados de honra”. - Minas Geraes. Belo Horizonte, 30 maio 1929. Seção Desportos, p. 10-1

Para o jogo de abertura o convidado foi o então campeão paulista Corinthians, uma das agremiações mais fortes do país. Luizita Andrada, a madrinha do estádio, deu o pontapé inicial e às 16 horas começou a primeira partida na nova casa.

Os paulistas saíram na frente, mas aos 35 minutos da primeira etapa, Mario de Castro, principal jogador da equipe, empatou o match. No segundo tempo Mario, duas vezes e Said, marcaram os gols atleticanos e instauraram a euforia nos torcedores. Por fim, De Mario marcou o segundo tento corintiano e o último da partida, insuficiente para qualquer reviravolta. O jogo terminou com o estádio em êxtase diante da vitória do bicampeão mineiro frente à poderosa equipe campeã paulista e a torcida invadiu o gramado para comemorar com os atletas.




“Vencendo o “team” da Paulicéa, os athleticanos souberam levantar, de modo brilhante, o nosso sportivo, não só do seu sympatico club, mas ainda o nome de Minas Geraes”. Minas Geraes; Belo Horizonte 31 de maio de 1929, pag. 6

Após o jogo, a diretoria do Atlético ofereceu um pomposo jantar à delegação paulista. Participaram da confraternização o presidente atleticano, Leandro Castilho de Moura Costa; o representante da delegação corintiana, José Tipaldi; o presidente da Liga Mineira, Oscar Paschoal; representantes da Congregação Brasileira de Desportos, da Associação de Chronistas do Rio, jornalistas mineiros e paulistas, além de associados do Atlético-MG.

O cardápio da noite foi vasto e apetitoso e contou com vários pratos, como relatou o Minas Gerais do dia 31 de maio de 1931. De entrada foi servida sopa de creme de aspargos; como prato principal foi oferecido peixe à brasileira, frango com petit-pois, lombo de porco à mineira e peru com presunto. As opções de sobremesa foram pudins e frutas. Para acompanhar, uma carta de vinhos, licores e champanhe. Afinal, o glamour da década de 1920 exigia um jantar desse nível.




Placa de inauguração do estádio. Foto: Blog dos atleticanos

O Estádio de Lourdes voltou a ser destaque na mídia estadual no ano seguinte. Em 9 de agosto de 1930, o campo recebeu a primeira partida de futebol noturna de Belo Horizonte, no embate entre Atlético e Sport-MG.

As luzes tornaram límpidos os gols da sonora goleada atleticana por incríveis 10 a 2, consolidando a força da equipe e o prestigio do clube. Além da novidade, a partida contou com a presença do ilustre Presidente da FIFA, Jules Rimet. A nova instalação proporcionou um dos momentos mais memoráveis dos primórdios do esporte mineiro, com os torcedores alvinegros se aglomerando nos postes de iluminação para poder assistir a um match atleticano.




Os postes de luz possibilitaram partidas noturnas do estádio alvinegro. Acervo Clube Atlético Mineiro

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