Esta é a terceira parte da reportagem sobre o Estádio Antônio Carlos.
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Se 1933 representou o final de um ciclo de grandes nomes no gramado de Lourdes, o ano também marcou o surgimento de um dos maiores jogadores atleticanos. No dia 1º de outubro, Guaracy Januzzi, na juventude de seus 17 anos, começava a mostrar toda a genialidade do eterno Guará aos apaixonados pelo futebol em BH. Pouco mais de um ano depois da aposentadoria de Mário de Castro, despontava mais um grande atacante no time atleticano.
Jogador completo, o Perigo Louro, assim apelidado pelos jornalistas, se destacava nas bolas aéreas, apesar da estatura mediana. Com habilidade técnica com a bola nos pés e chute potente com as duas pernas, Guará rapidamente se tornou o principal jogador do Atlético depois do fim do Trio Maldito.
Em 1933, os clubes e a federação se acertaram depois de um ano com dois torneios paralelos. Foi quando se disputou o primeiro campeonato profissional de Minas Gerais. Além dos clubes de Belo Horizontes foram incorporadas três equipes de Juiz de Fora. O Villa Nova, então campeão da liga da AMEG, se aproveitou do período instável dos rivais e conquistou o torneio de 33, 34 e 35.
Já em 1936, Guará e seus companheiros atleticanos continuavam a evoluir e o bom futebol dentro de campo começou a se traduzir em conquistas. Apesar de mais uma polêmica envolvendo América, Palestra e Villa Nova, o Atlético levantou o campeonato mineiro daquele ano, que foi também o primeiro título de Guará, coroado artilheiro da competição com 15 bolas na rede.
O ano seguinte, contudo, marca a conquista de maior repercussão da história do Estádio Antônio Carlos. A Federação Brasileira de Futebol organizou um campeonato entre os campeões dos principais torneios regionais de 1936. Os selecionados foram Atlético, Fluminense (como campeão do Distrito Federal, na época sediado na cidade do Rio de Janeiro), Rio Branco-ES, Portuguesa-SP, Aliança-RJ e a Liga Sportiva da Marinha (equipe convidada).
O time tricolor carioca foi apontado pela imprensa esportiva como o principal favorito à taça interestadual e, como esperado, a disputa do título ficou entre mineiros e cariocas. Na partida de ida, os tricolores atropelaram e venceram por 6 a 0 no Estádio das Laranjeiras.
No entanto, o torneio era em turno e returno e no jogo de volta, no Estádio de Lourdes, os mineiros deram o troco. O time da Guanabara já havia perdido para Portuguesa e Rio Branco, enquanto o alvinegro venceu a Portuguesa e ficou no empate com o Rio Branco. A vitória em BH por 4 a 1 contra os cariocas significava que o Atlético precisaria apenas vencer o time capixaba em casa para ficar com o troféu e os tricolores abandonaram o jogo aos 18 minutos da etapa complementar.
.A derradeira partida para o time mineiro chegou e a esperada vitória se concretizou, por sonoros 5 a 1. O entusiasmo era tão grande que o Estado de Minas noticiou o Atlético como o primeiro time mineiro campeão nacional. O carioca Jornal dos Sports foi um pouco mais contido, nomeando os atleticanos de campeões dos campeões. O grande ídolo Guará falou certa vez “que podia o tempo passar e outros sucessos surgirem, mas que era impossível deixar de lado o título de campeão brasileiro em 1937”. O torneio foi tão relevante que ficou eternizado na quarta estrofe do hino do Atlético Mineiro, escrito por Vicente Motta em 1968: "Nós somos campeões dos campeões. Somos o orgulho do esporte nacional!"
Em 1938, o alvinegro demonstrou mais uma vez a sua força e conquistou outro campeonato mineiro, dessa vez de forma invicta e com todos os principais rivais em ação. Guará se destacou mais uma vez, anotando 15 gols e figurando na liderança entre os artilheiros da competição.
O ano de 1939 foi ao mesmo tempo de glórias e de tragédias para o Atlético. O time viria a conquistar o bicampeonato regional, mas teve mais uma grande baixa em campo. Logo no segundo jogo do torneio, em uma partida disputada no Estádio Presidente Antônio Carlos contra o Palestra Itália, o grande confronto da noite era entre o atacante atleticano Guará e o zagueiro palestrino Caieiras. As apostas em torno de quem se sairia melhor eram muitas e boa parte do jogo foi truncado. No entanto, um lance mudaria muita coisa. Uma das principais características do avante alvinegro era o bom cabeceio. Quando seu companheiro Lôla lançou uma bola alta em direção a área o jovem não hesitou. Foi ao encontro da bola em disputa com Caieiras e, apesar de tocar a bola, acabou levando a pior, pois o palestrino cabeceou a sua nuca. O jogador alvinegro caiu direto no chão e não voltou a se levantar. Depois de um silêncio completo no estádio, Guará foi levado direto para o pronto socorro, sendo internado às pressas. Ele havia sofrido um sério traumatismo craniano.
Ele permaneceu mais de um mês inconsciente no hospital enquanto a torcida fanática o aguardava do lado de fora. Felizmente ele conseguiu recuperar a consciência, mas as sequelas no seu jogo foram eternas.
Frustrado, Guará se mudou para o Rio de Janeiro, para atuar sem sucesso no Flamengo. Depois passou pelo Siderúrgica, de Belo Horizonte, sem ser o grande goleador de outrora. Chegou a tentar a sorte novamente no Atlético em 1951, mas a segunda passagem foi bem mais discreta.
Guará foi o maior expoente daquele time, mas outros jogadores consagrados da história atleticana fizeram parte dessas conquistas. Kafunga foi um dos maiores goleiros do clube e formava junto com Zezé Procópio uma defesa imponente. Porém, mais uma vez, o grande conjunto de talento da equipe estava na frente. O quarteto de ataque era formado pelo meia Nicola, pelo ponta esquerda Rezende, por Guará na posição de centroavante e Paulista (artilheiro do Torneio dos Campeões) na ponta direita.
O time de Lourdes voltaria a conquistar mais três bicampeonatos (1942-43; 1946-47 e 1949-1950) até um acontecimento mudar toda a história e deixar o período glorioso do Estádio Presidente Antônio Carlos para trás.
O relato é sem dúvidas uma das mais destacadas formas de se narrar acontecimentos do passado. Por isso, buscamos a filha de Guará e renomada jornalista belo horizontina, Déa Januzzi, para compartilhar passagens da vida do ex-jogador alvinegro.
Devido à pouca idade quando dos tempos áureos do centroavante, muitas de suas memórias são fruto das histórias contadas pelo próprio pai, do que ouviu nas ruas da cidade e das diversas publicações que buscaram manter viva a carreira do Perigo Louro.
Déa foi repórter do Estado de Minas de 1974 a 2012, e atuou em diversas áreas do jornal, apesar de nunca ter se envolvido de maneira exclusiva com o esporte. Déa nos concedeu uma entrevista junto a seu filho Gabriel, fanático torcedor atleticano. A jornalista contou passagens que vão desde a infância de seu pai, os anos de glória com o Atlético, até chegar no período pós futebol.
Ele nasceu em Ubá, no dia quatro de janeiro de 1916. O pai dele era descendente de Italianos e detestava o futebol, era totalmente contra. Naquela época jogador de futebol era mal visto, então meu avô Miguel não deixava, batia quando pegava ele jogando bola. Meu pai chegou a jogar em um time de Ubá, o Guarani. Eles eram nove irmãos e o que eu sei é que era uma infância simples. O pai dele chegou a dar uma caixa de engraxate para ele trabalhar. A lógica era essa, tinha que trabalhar, só não podia ser artista nem jogador de futebol.
Quando meu pai começou a jogar e se destacar ele que trouxe toda a família de Ubá para BH. Com 16 anos ele já estava no Atlético e tinha o maior salário da época e aí todo mundo começou a gostar, porque estava dando dinheiro. Eu lembro que meu pai deu para uma irmã dele a primeira estola dela, que era super chique, com pele de animal. Os presentes mais bacanas para a família era ele que dava. Como ele sustentou a família durante um bom tempo todo mundo começou a apoiar.
Quando se mudou para Belo Horizonte, ele morou no estádio, porque os atletas viviam em um alojamento embaixo das arquibancadas do estádio Antônio Carlos. Inclusive ele veio junto com o Nicola, foi a dupla de Ubá que jogou no Galo. Quem trouxe eles foi Lafaiete Maia, que era atleticano e trabalhava como viajante-comercial. Ele viu meu pai e o Nicola jogando em Ubá e levou eles pessoalmente para BH com tudo acertado para que eles jogassem no Atlético-MG.
Um morador ilustre aqui de BH, o Danilo Savassi, que deu nome ao bairro, me disse uma vez que o grito de "Galo! Galo! Galo!", na época era "Guará! Guará! Guará!". O grito de guerra da torcida era pra ele. Isso é para você ter uma noção de como ele era querido pela torcida. Dom Serafim Fernandes disse que veio a Belo Horizonte e foi assistir um jogo no Antônio Carlos que meu pai jogou. Ele virou atleticano na hora, porque aquele time chamava muita atenção. A relação do meu pai com a torcida foi de ídolo até o fim. Sempre que eu andava na rua com ele as pessoas cumprimentavam, gritavam "ô Guará! ô Guará!". Ele dava autógrafo. Meu pai adorava.
Depois do acidente eles levaram meu pai para o Hospital São José e ele ficou lá algumas semanas. Todo mundo da cidade fazia promessa para que ele se recuperasse e depois que ele melhorou, ele saiu por aí cumprindo essas promessas (risos). No entanto, depois de sair do hospital, ele não era mais o mesmo em campo. Na época eles falavam que ele teve uma comoção cerebral, que eu acho que deve ser um AVC. No livro de 50 anos da rádio Itatiaia eles falam que foi convulsão cerebral. Naquela época ninguém sabia direito, mas deve ter sido um derrame, um AVC.
Eu nasci muitos anos depois do acidente, mas no dia a dia ele era um cara normal, não tinha sequela nenhuma, mas ele não era o mesmo jogando. Deve ter ficado um trauma, um medo de jogar. Depois que ele parou de jogar as coisas começaram a apertar um pouco. Ele começou a ter filhos e o dinheiro já estava mais escasso. Ele fez várias coisas depois do futebol, fez vários bicos, vendeu loteria, até que ele conseguiu um emprego na câmara municipal. Lá ele ficou até falecer. Isso auxiliou muito a minha mãe que continuou viva mais 30 anos depois que ele se foi...
Os últimos anos do Estádio Antônio Carlos. Clique para ler a quarta parte da reportagem