Esta é a segunda parte da reportagem sobre o Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira.
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Agosto de 1942. No litoral nordestino, um submarino alemão inicia uma série de ataques a embarcações brasileiras. Sob o comando do nazista Harro Schacht, o temido U-507 torpedeia seis navios, deixando mais de 600 mortos nas águas da Bahia e do Sergipe. Os ataques geram pânico e comoção no país, que decide entrar guerra contra Alemanha e Itália.
A declaração de guerra desencadeia diversas ações a quem, pelo motivo que fosse, tivesse relação com os países do Eixo (dentre eles, Alemanha e Itália). Em 31 de agosto, o governo Vargas solta um decreto que exige a extinção de símbolos das nações inimigas. Era hora de o Palestra mineiro abandonar as cores da Itália e adotar uma nova identidade.
Várias assembleias foram convocadas pelo então mandatário palestrino Ennes Cyro Pony. Antes da reunião definitiva, Pony adiantou aos jornais que o novo nome seria Ypiranga, homenageando a Independência do Brasil. O nome não era consenso e, no dia 7 de outubro, veio a decisão final. Por sugestão do ex-presidente Osvaldo Pinto Coelho, foi definido que nome seria Cruzeiro Esporte Clube, uma homenagem à constelação cívica referenciada nos símbolos nacionais.
“Pressionado, o Palestra mudou de nome para Cruzeiro, demonstrando, por meio das referências aos céus brasileiros inscritas no novo nome e no novo símbolo do clube, a disposição da colônia italiana de adotar o Brasil como sua nova pátria”, aponta o pesquisador Marcelino Rodrigues da Silva. Em seu livro Quem desloca tem preferência, Marcelino revela ainda que os italianos que viviam no Brasil sofreram diversos ataques nesse período, tendo casas e espaços incendiados.
A transição para Cruzeiro aconteceu de forma gradual. A estreia com o novo nome só foi possível em fevereiro de 1943, em um amistoso contra o São Cristóvão, do Rio de Janeiro. Ainda assim, o uniforme não estava pronto e o Cruzeiro teve de jogar com a camisa palestrina. Em um segundo amistoso contra os cariocas, o uniforme cruzeirense pode, enfim, fazer a sua estreia, com a camisa azul com as estrelas soltas, e calção e meias brancas.
Com o clube devidamente “nacionalizado”, ainda faltava alguma coisa. Em uma época em que os times já investiam na revitalização de seus estádios, era hora de o clube do Barro Preto reformar o seu acanhado campo.
Após a gestão Cyro Pony, o Cruzeiro passou a ser presidido por Mario Grosso, eleito em dezembro de 1942. Para reformar o estádio celeste, o mandatário defendia uma modificação nos estatutos do clube. Com a mudança, só seriam sócios remidos aqueles que contribuíssem com mil cruzeiros para a remodelação do campo. Após muitas discussões, o Conselho Deliberativo enfim aprovou a emenda de Grosso.
O time fez sua despedida em um amistoso no dia 29 de outubro de 1944. A vitória de 2 a 1 sobre o América, com gols de Alcides e Fogosa, encerrou com chave de ouro os trabalhos do estadinho. Até a reforma ser concluída, o time mandaria suas partidas no Estádio Alameda, do América, e no campo do rival Atlético.
As obras aconteceram no início de 1945. Projetado pelo arquiteto Oscar Ricardo, o estádio ganhou arquibancadas de cimento, uma tribuna de imprensa e teve sua área social reformada. A capacidade saltou de cinco para quinze mil espectadores, que passariam a adentrar o estádio por um dos quatro portões de acesso e encontrariam novas instalações sanitárias e serviço de bar. Para o conforto dos atletas, o estádio contava com um novo gramado, dormitórios, instalações para o departamento médico e um túnel que dava acesso direto ao campo, sem contato com os torcedores.
De cara nova, o estadinho, como alguns veículos o chamavam, precisava de um nome. Aliás, não era nem mais “estadinho”, já que teve sua capacidade ampliada e agora contava com uma estrutura de primeira. O clube decidiu nomear seu campo de Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira, homenageando o então prefeito de Belo Horizonte.
“Juscelino Kubitschek é tão amigo do Cruzeiro, que os diretores do grêmio das cinco estrelas resolveram denominar o seu majestoso estádio ‘Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira’, o que agradou sensivelmente não só aos cruzeirenses como a toda população da capital, porque o grande patrono do Cruzeiro é grandemente querido de todos nós”, anunciava o periódico celeste A Raposa, em uma matéria que celebrava o primeiro ano de vida do novo estádio.
“Realiza-se, finalmente, hoje, o nosso grande sonho: darmos ao Cruzeiro um estádio compatível com as suas tradições e com o que será para o futuro”, anunciou Mario Grosso na solenidade de inauguração. Realizado no dia 27 de junho de 1945, o evento contou com a presença de Rivadavia Corrêa Meyer, presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), e de João Lyra Filho, que presidia o recém-criado Conselho Nacional de Desportos (CND). Quem também participou da inauguração foi o homenageado, o prefeito Juscelino Kubitschek, que elogiou a iniciativa do presidente, agradeceu a homenagem e ainda doou cinco barcos ao clube, para incentivar a prática do remo entre os jovens da cidade.
Finalizadas as solenidades, era hora de o Cruzeiro reinaugurar seu estádio. A bola rolou no domingo, 1º de julho, em amistoso contra o Botafogo. Aos 20 minutos, a equipe azul abriu o placar com Niginho, que, como um bom Fantoni, sabia o caminho para o gol daquele campo. Mas o que era para ser uma estreia perfeita acabou ofuscada por Heleno de Freitas. O Príncipe Maldito marcou aos 38 do segundo tempo e garantiu o empate para os cariocas. Terminou tudo igual no Barro Preto.
O amistoso inaugural rendeu expressivos 91 mil cruzeiros aos cofres azuis. De acordo com o Almanaque do Cruzeiro, era o recorde de renda dos jogos disputados em Minas Gerais até aquele momento, superando a do amistoso entre Atlético e Corinthians, em 1945, de Cr$ 61.300.
Campeão da cidade em 43 e 44, o Cruzeiro seguia firme na disputa pelo tricampeonato, feito que o clube não repetia desde 1930. No JK, bateu Villa Nova e América, os principais adversários da competição, e venceu o Uberaba. O título veio mesmo em Sabará, após vitória sobre o Siderúrgica. Mais uma vez, o clube era tricampeão da cidade.
Para quem hoje respira futebol, seria difícil imaginar noites de quarta e quinta sem as tradicionais partidas do meio de semana. No entanto, era essa a realidade do torcedor cruzeirense até novembro de 1945, quando o Barro Preto teve seu primeiro jogo com iluminação.
Vivendo um bom momento, o Cruzeiro recebeu o América do Rio para estrear o sistema de iluminação do Juscelino Kubitschek. No dia 21 de novembro, em uma quarta-feira, o clube comandado por Chico Trindade bateu a equipe carioca por 4 a 0, com um gol de Niginho e um triplete do ponta-direita Braguinha.
E foi em outro dia de semana que o JK sediou sua primeira partida internacional. Em excursão pelo Brasil, o campeão paraguaio Libertad desembarcou em terras mineiras para uma série de amistosos. O primeiro deles foi contra o Cruzeiro, no dia 3 de janeiro de 46, uma quinta-feira. Era a primeira vez que o clube enfrentaria um adversário estrangeiro.
A partida, que também celebrava os 25 anos de fundação do Cruzeiro, quase terminou em vitória para os belo-horizontinos. Ismael marcou aos 27 do primeiro tempo e Braguinha ampliou aos 15 da segunda etapa. O entrenador Teófilo Spinola promoveu mudanças na equipe paraguaia. Dias entrou no lugar de Esquivel e balançou as redes em duas oportunidades, aos 17 e aos 30 do segundo tempo, igualando o placar no JK.
Se tudo parecia correr bem para quem via de fora, os bastidores do Cruzeiro eram de um momento nada agradável. De acordo com Henrique Ribeiro, o clube começava a adentrar uma crise política e acumulava dívidas da reforma do JK. “As despesas com a remodelação do estádio chegaram a Cr$ 500 mil e pesaram nas contas do clube, que também passou a viver uma crise política, após a renúncia do presidente Mario Grosso, em maio [de 1947], no início de seu terceiro mandato consecutivo”, revela o pesquisador.
Quem assumiu a presidência foi Fernando Tamietti. Com a saída do técnico Ítalo Fratezzi, o Bengala, o clube precisava correr atrás de um novo treinador. Foi então que Tamietti surpreendeu a todos ao convidar o técnico de basquete Fu Manchu para o cargo. Manchu não durou muito tempo e ficou até janeiro de 48. Tamietti também balançou e renunciou após quatro meses.
Antônio Cunha Lobo foi eleito logo em seguida. Segundo o Almanaque do Cruzeiro, a política “mão de ferro” do dirigente contribuiu para agravar a crise. Para não abrir muito os cofres, o presidente convidou Niginho para ser o técnico, que, apesar de tudo, fez bom trabalho até o fim de 49. Cunha Lobo, por sua vez, sofria pressão de sócios, torcedores e dos próprios jogadores, que ameaçavam não renovar seus contratos caso o dirigente se candidatasse à reeleição. Cunha Lobo desistiu da candidatura e seu sucessor foi Antônio Alves Limões.
Em 1949, a prefeitura de Belo Horizonte destina uma verba aos clubes da cidade. O Cruzeiro foi beneficiado com Cr$ 2 milhões, que logo foram direcionados para uma nova remodelação do JK, reinaugurado há apenas 4 anos.
“Obra gigantesca está realizando o presidente Antônio Alves Limões no Barro Preto”, anunciava a Revista Olímpica – O Cruzeiro em foco de abril. Nesta nova remodelação, o JK teve suas gerais reformadas e recebeu novas arquibancadas, além de ganhar novas instalações nos vestiários, na área social e no serviço de bar e restaurante.
Outra novidade foi o alambrado, ou tela, como preferia chamar o presidente Limões. Seguindo o exemplo dos estádios argentinos, do Pacaembu e do recente São Januário, o JK contaria com um alambrado para tentar impedir as invasões de campo.
Segundo a mesma revista Olímpica, o estádio veria sua capacidade pular para 18 a 20 mil torcedores, “otimamente instalados”, além de uma arquibancada social para três mil sócios assentados. “Uma obra gigantesca, essa dos cruzeirenses, que por si só imortalizará o trabalho da atual diretoria”, ressaltava a revista, em sua edição do mês seguinte.
De acordo com o Almanaque do Cruzeiro, a verba destinada pela prefeitura poderia ter sido usada na construção de um estádio com maior capacidade, visando arrecadações melhores. “As despesas inviabilizaram o time de futebol, cujos salários foram padronizados a valores muito baixos, impedindo os atletas de se dedicarem exclusivamente ao futebol”, relata a publicação. À exceção de Bené e Abelardo, que viviam de futebol, os jogadores cruzeirenses acumulavam outros empregos para se sustentarem, com trabalhos em fábricas, camisarias e obras.
Em 1950, o Cruzeiro entrou em uma grave crise financeira. Em troca de cachês, o clube disputava amistosos em cidades do interior, para movimentar o caixa. No fim daquele ano, os jogadores tiveram seus vencimentos padronizados na base do salário mínimo e o plantel júnior foi profissionalizado.
A crise se agravou dois anos depois, quando o plantel profissional foi dispensado e a diretoria efetivou o time júnior, incluindo o treinador Colombo. O “time dos brotos”, como parte da imprensa o apelidou, terminou a competição da cidade em quinto lugar, conquistando 8 pontos em 16 possíveis.
De modo geral, a década de 1950 foi um tanto conturbada para o clube do Barro Preto. Em 54, o elenco sequer possuía reservas. Niginho, além de técnico, era também diretor de futebol, supervisor e preparador físico. A confusão era tanta que o escrete foi apelidado pela torcida de “time do lero-lero”. Depois da saída de Niginho, os próprios jogadores assumiram o comando técnico.
A redenção para todo este período de sofrimento cruzeirense veio em 1959, quando o clube quebrou o jejum de 14 anos e venceu o Campeonato Mineiro. Também em 59, o Cruzeiro teve seu título de 1956 reconhecido, uma vez que o Atlético escalara um jogador irregular na disputa daquele ano.
Os últimos anos do Estádio Juscelino Kubitschek. Clique para ler a terceira parte da reportagem