Os últimos anos de JK

Por Carlos Oliveira


Esta é a terceira parte da reportagem sobre o Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Clique aqui para conferir a primeira parte e aqui para ler a segunda.

Em 1955, o Cruzeiro entrou em campo 43 vezes, em amistosos e jogos válidos pelo Campeonato da Cidade. Em Belo Horizonte, jogou 4 partidas no Alameda, 10 no Juscelino Kubitschek e 14 no Independência. Em menos de cinco anos, era a segunda vez que o clube disputava mais partidas em um estádio da capital que não fosse o JK.

Localizado no bairro do Horto, na região leste, o Estádio Independência foi, por muitos anos, a maior praça esportiva da capital. O campo, que pertencia ao Sete de Setembro, foi inaugurado para a Copa do Mundo de 1950 e sediou três jogos da competição. Com o fim do mundial, aos poucos o estádio foi se tornando a casa das grandes partidas da capital. Em 55, Cruzeiro e Atlético já firmavam um acordo para disputar os clássicos no estádio do Horto.




Independência durante a partida entre Estados Unidos e Inglaterra pelo Mundial de 1950. Acervo Prefeitura de Belo Horizonte

Batizado de Estádio Raimundo Sampaio, o Independência ficava mais afastado do centro urbano e tinha capacidade para receber públicos maiores. Em grandes partidas, o campo chegou até a expressiva marca de 30 mil espectadores, número inalcançável para os outros estádios da capital. Motivos como estes fizeram o estádio ser cada vez mais utilizado pelos clubes belo-horizontinos.

Com a inauguração do Mineirão, em 65, o clube abandonaria de vez o seu querido estádio do Barro Preto. Enquanto isso não ainda acontecia, o JK ainda guardava alguma lenha para queimar.

Antes do adeus




Jogadores cruzeirenses treinando no JK; Tostão em destaque. Autor desconhecido

Julho de 1964. Após sofrer uma distensão muscular, o volante cruzeirense Ílton soube que ficaria de fora das próximas partidas do Campeonato Mineiro. O desfalque, sentido às vésperas de uma importante partida contra o Uberaba, forçou o treinador Marão a buscar uma forma de reorganizar sua equipe.

Em um treino, o técnico resolveu experimentar e trocou o 4-2-4 que vinha utilizando por um 4-3-3, com o meio de campo formado pelo tripé Piazza, Tostão e Dirceu Lopes. No JK, Marão colocou a ideia em prática e viu sua equipe derrotar os uberabenses por 3 a 0, com um gol de Gradim e dois de Paulo.

Anos depois, este meio de campo escalado por Marão viria a ser conhecido como “tripé histórico”, quando os mesmos Piazza, Tostão e Dirceu seriam fundamentais para a conquista da Taça Brasil de 66, sobre o Santos de Pelé.




Tostão em seus primeiros dias de Cruzeiro. Jornal desconhecido

Em seus últimos anos recebendo a equipe profissional cruzeirense, o JK ainda reservava histórias que ficariam marcadas no clube. Algumas delas envolvem Eduardo Gonçalves de Andrade, mais conhecido como Tostão. Aos 16 anos, o garoto que saiu das quadras do tradicional conjunto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) encantou os dirigentes cruzeirenses, que não pensaram duas vezes antes de contratar a promessa do América.




A estreia de Tostão foi no JK, em um amistoso contra o Siderúrgica, no dia 4 de abril de 63. O Cruzeiro treinado por Niginho abriu o placar logo aos cinco minutos, com Mário Jorge. O empate veio aos 18, quando Silvestre marcou para os visitantes. No segundo tempo, Wilson Almeida colocou o time do Barro Preto à frente do placar novamente. Vitória por 2 a 1 na estreia de daquele que se tornou um dos maiores ídolos celestes.

O primeiro gol de Tostão não demorou a sair. No dia 25 do mesmo mês, o Cruzeiro recebeu o Renascença para outra partida amistosa, também no JK. O jogo não terminou bem para os cruzeirenses, que levaram a virada e perderam por 3 a 2. Quem foi ao campo naquela noite de quinta pelo menos poderia falar, anos depois, que estava lá quando Tostão anotou seu primeiro tento pelo Cruzeiro.

Sem nem completar uma temporada, o jogador já era um dos xodós da torcida. Naquele ano, arrastava até mesmo torcedores rivais para o estádio JK, que iam até lá só para secar a promessa cruzeirense. Em seu texto “Vi Tostão no Barro Preto, no auge de seus 17 anos”, o jornalista Ronaldo Dutra Pereira conta um destes casos, em uma partida contra a Portuguesa de Desportos:

“O resultado do jogo foi um minguado zero a zero, mas o menino se destacou em várias jogadas, ajudado por craques como Hilton Chaves, Piazza, Dirceu Lopes, Brandão e Hilton de Oliveira.

No final da partida, os minguados torcedores atleticanos que haviam se deslocado até o campo naquele domingo chuvoso não pouparam os eternos rivais, perguntando a eles onde estava o novo Pelé. Pobres cegos que não haviam conseguido enxergar o magnífico futebol, cheio de malícia e inteligência da revelação americana (sim, porque o Cruzeiro o havia aliciado ao outro clube belorizontino)”

Tchau, JK!

“Em Minas, porém, a grama é inigualável, de um verde puro, uniforme, viçosa como eu nunca vi, no Wembley, em Londres, ou no Vale do Jamor, em Lisboa”, relatava um artigo publicado na revista Manchete, em 18 de setembro de 1965. Após meia década de obras, o Mineirão era, enfim, revelado ao mundo.




Mineirão mudou o cenário esportivo na capital. Autor desconhecido

Logo em sua primeira partida, o estádio da Pampulha já registrava um público recorde em Belo Horizonte, quando mais de 73 mil torcedores foram ao estádio da Pampulha para ver a Seleção Mineira vencer o River Plate, da Argentina, por 1 a 0.

Se nos anos anteriores o Cruzeiro já jogava mais em outros campos do que em seu próprio estádio, a inauguração do Mineirão serviu para o clube se despedir do JK. A história se repetiria com Atlético e América, que também adotariam o Gigante da Pampulha nos anos seguintes.

De acordo com o Almanaque do Cruzeiro, o clube jogou 478 partidas em seu estádio no Barro Preto, com 285 vitórias, 96 empates e 97 derrotas. Foram 1.370 gols marcados e 718 sofridos. Em seu campo, o clube venceu os campeonatos da cidade de 1926 (alternativo), 28, 29, 30, 40, 43, 44, 45 e 56. Na era do Campeonato Mineiro, conquistou um tricampeonato, de 1959 a 61.


No dia 14 de fevereiro de 65, o Cruzeiro entrou em campo pela última vez no JK. O amistoso contra o Democrata de Sete Lagoas terminou em goleada de 4 a 0 para o time azul-celeste, com tentos de Tostão, Fescina, Picinin e Dalmar, todos marcados no segundo tempo. De fevereiro a agosto, o clube mandou suas partidas no Independência. No dia 15 de setembro de 1965, o Mineirão se tornou a nova casa dos cruzeirenses, que de lá não arredaram o pé até hoje.



E depois?

Início dos anos 1970. Para muitos belo-horizontinos, o sábado era apenas um dia de folga após uma extenuante semana de trabalho. Para Caminhão e Jipinho, o fim de semana significava um pouco mais. Isso porque sábado era dia de os dois irem para o estádio do Barro Preto, onde os veteranos do Cruzeiro Esporte Clube participavam de amistosos pelo famoso Raposão.

Caminhão era um dos veteranos e entrava em campo, sempre relembrando seus bons tempos de zagueiro. Já Jipinho ia para assistir ao pai. Os dois eram Benito Fantoni e Júnior, assim apelidados pelo fato de Benito dirigir um caminhão. Em campo, o zagueiro jogava ao lado de Dirceu Pantera, Procópio, Vavá e outros veteranos cruzeirenses.




Estádio JK em 1973. Arquivo/EM/D.A Press

Os jogos do Raposão foram uma das últimas atividades do Juscelino Kubitschek, que por um tempo também abrigou treinos e jogos das equipes de base. No início da década de 70, o campo tinha pouca grama e o estádio vivia momentos de quase-abandono do clube, que já treinava na Toca da Raposa, CT construído na região da Pampulha. “Hoje, com o crescimento do Cruzeiro, o progresso está transformando o velho estádio do Barro Preto num grande patrimônio inútil, obsoleto e fora da realidade”, relatava o jornal Estado de Minas de 18 de março de 73 sob a manchete: “O velho Estádio JK está acabando. Que fazer com ele?”.

A solução saiu do papel em 1985, quando o campo foi desativado e teve seu terreno transformado na sede e no clube social. De acordo com publicações daquele ano, o Cruzeiro não gastou para reformar a área, cuja construção foi realizada por meio de um convênio com a Secretaria de Lazer e Turismo de Minas Gerais.







1985: Estádio é derrubado para a construção do clube campestre. Arquivo/EM/D.A Press

Hoje, o Parque Esportivo do Barro Preto conta com espaços variados, com piscinas, parquinhos, quadras poliesportivas, salões e, claro, um campo de futebol - mas com grama sintética.




Parque Esportivo do Barro Preto. Foto: Cruzeiro Esporte Clube