Esta é a segunda parte da reportagem sobre o Estádio Alameda.
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A relação com a política sempre foi muito forte entre os clubes esportivos brasileiros. O América Futebol Clube, de Belo Horizonte, por exemplo, foi criado, em 1912, por garotos entre 11 e 13 anos que brincavam de jogar bola em um dos quarteirões da recém criada cidade. Como afirma a Enciclopédia oficial do clube, a maioria dos meninos era filhos de políticos ou funcionários públicos. Tanto é, que a primeira bola do clube foi comprada pelo então governador de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão, cujo filho era um das crianças que fundaram o clube, Francisco Bueno Brandão.
Conexão que continuou costumeiramente ao longo da história americana, porém pouco associada com a administração do clube. O jornalista Ari Barroso, ao escrever no Estado de Minas, destacou a atitude dos torcedores do clube para a reforma do estádio em 1948. “Belo Horizonte ganhará hoje o terceiro estádio do Brasil. Graças ao esforço gigantesco da família americana”. Que completa: “numa época de profundo desinteresse oficial pelas coisas do desporto”. O compositor só esqueceu, ou optou por omitir, o generoso empréstimo concedido pela Prefeitura de Belo Horizonte. O famoso dinheiro do Otacílio.
Em 1948, Otacílio Negrão de Lima ocupava pela segunda vez (1947-1951) o cargo de prefeito da capital mineira. Apesar de ter sido a primeira vez que foi eleito para o cargo. Anteriormente, tinha sido nomeado para o mandato entre 1935 e 1938. Fundador do clube, o político, quando jovem, disputou diversos jogos pelo América. Inclusive, fazendo parte das equipes que conquistaram o decacampeonato mineiro de futebol para o América.
Envolvido com o objetivo de oferecer à Belo Horizonte aspectos estruturais fundamentais para o crescimento acelerado da cidade, entre as obras do político destacam-se a barragem do rio Pampulha, que proporcionou a criação da lagoa de mesmo nome; e a abertura do túnel da Lagoinha, obra concluída somente nos anos finais da década de 1960.
Chamado de “grande matemático das equações do povo”, pelo vereador Antonio Lunardi, Otacílio fez com que a prefeitura, em conhecida precariedade financeira, abrisse os cofres municipais para o esporte da cidade, principalmente às quatro principais equipes de futebol da cidade: América, Cruzeiro, Atlético e Sete de Setembro.
Como consta no relatório do prefeito de 1948, a Lei nº10 de 8 de março de 1948 autorizava a prefeitura a emitir apólices de 75 milhões de cruzeiros. Desses, 5 milhões eram para atender aos problemas ocasionados pela enchente do dia 28 de fevereiro daquele ano e 16 milhões para as obras contra as cheias do córrego do Leitão, Serra e Acaba Mundo. Valor muito semelhante a soma dos anteriores, cerca de 20 milhões de cruzeiros, foi destinado para “incentivar as atividades culturais e artísticas” do município.
Após as reuniões com os dirigentes dos clubes e a homenagem na inauguração do Alameda (maio de 1948), o prefeito assinou o decreto nº10 de 4 de junho de 1948, garantindo a quantia, em novo valor, de 12 milhões, para o incentivo ao esporte e à cultura. O pesquisador Georgino Neto aponta a ideia política do prefeito: “Otacílio seguia potencializando seu capital político através do investimento no esporte, enxergava no futebol uma ótima oportunidade de popularizar a sua gestão”.
O que acontecia, ao menos com grande parte dos jornalistas esportivos da capital. A Revista do América, por exemplo, ao chamar “o prefeito de mecenas das artes, da cultura e do esporte” alçava Negrão de Lima como o salvador da crise asfixiante que acometia os times da capital. Porém, a atitude, que era apoiada por grande parte da imprensa da cidade, era vista com pessimismo por algumas pessoas, que ousaram, inclusive, se manifestar pela coluna de opinião do jornal Folha de Minas.
No texto publicado em 30 de setembro, o autor sob pseudônimo Agabea, busca desconstruir a imagem positiva da Câmara de Vereadores e do prefeito. “A maioria da Câmara Municipal apresentou, votou e aprovou – tudo com a rapidez que lhe é característica – um projeto que há de valer, ao esporte, a retirada paulatina daquilo que lhe foi dado. Então, a esmola quando é grande não merece que se desconfie dela?”
Segundo o autor do texto, América, Cruzeiro e Atlético, cada um, receberam 2 milhões de cruzeiros. O Sete recebeu 3 milhões para adiantar as obras de seu novo estádio. Enquanto os outros times amadores uma soma de 1 milhão, e mais 2 milhões para dois clubes da cidade, entre eles o Minas Tênis Clube, clube erguido com ampla colaboração da municipalidade.
Desconfiando da esmola que parecia generosa demais, Agabea apresenta a nova lei sobre imposto de diversões esportivas. Seria cobrado a partir daquele 8 de outubro, 1 cruzeiro sobre cada ingresso de competição esportiva. Desse valor, 60% seria para um fundo de auxílio ao esporte, e o restante, seria a compensação para o cofre municipal do auxílio de 12 milhões de cruzeiros.
“Os outros 40 por cento... Ah! amigos... os outros 40 por cento somarão, aos poucos, a retirada completa de tudo o que o esporte recebeu da municipalidade. Esporte, fonte de energia, competição educativa! Esporte, meio de se fazer política e fonte de intenções escusas (sic)”, desabafa o cronista.
“A crítica se fazia claramente em duas frentes: à real necessidade do repasse, considerando-se os fins; e à destinação tributária, considerando-se as vantagens que o próprio poder público obteria”, afirma Georgino Neto. Segundo ele, os valores atuais da “ajuda da municipalidade” seria em torno de 60 milhões de reais, corrigindo o valor.
Com o dinheiro, o América cobriu grande parte dos gastos com a reforma do estádio, que não estava totalmente concluída. Os refletores, por exemplo, só foram inaugurados no final de 1948. Era a salvação para o presidente Alair Couto, que já estava cansado de fazer campanhas entre a torcida alamedina para arrecadar material de construção e dinheiro para a obra, como as famosas campanhas de cimento.
Vereador Antonio Lunardi foi o responsável por retirar os jogos do Alameda. Clique para ler a terceira parte da reportagem
Atletas de clubes rivais conviviam em meio às quadras campeãs do Alameda. Clique para ler a quarta parte da reportagem