Esta é a segunda parte da reportagem sobre os primeiros campos de futebol de BH.
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A ideia de ter um hipódromo para receber corridas de cavalo em Belo Horizonte é tão antiga quanto a construção da capital. Na planta geral da cidade, planejada pela Comissão Construtora da Nova Capital, dois espaços eram pensados para o lazer da população: o Parque Municipal e o hipódromo, este já fora dos limites da Avenida do Contorno. Se o parque saiu do papel rapidamente, o prado de corridas demorou mais alguns anos para ser levantado.
Em outubro de 1904, o periódico oficial Minas Geraes publicou os Estatutos da Sociedade Anonyma Prado Mineiro, grupo que havia solicitado à Prefeitura, no mês anterior, a construção do prado no local determinado pela Planta Geral da Cidade. Tão logo teve acesso ao projeto, o jornal Folha Pequena o descreveu efusivamente.
“O pavilhão central, destinado aos sócios, é de forma elegante com altura sufficiente a dominar toda a área do prado, e as archibancadas para os espectadores, extensas e confortáveis, estão dispostas aos lados no mesmo nível, tendo o pavimento térreo, á direita os compartimentos da pezagem e venda de poules e á esquerda accomodações especiais para botequins etc. O pavilhão tem uma vistosa cúpula, onde tremula e estandarte(sic) da associação, e toda a cobertura das archibancadas é ornada de lambrequins e arabescos de muito gosto, dando a todo o edifício o aspecto sportivo dos grandes prados europeus”.
O sentimento do jornal era o mesmo da população de Belo Horizonte. O Prado Mineiro era a possibilidade de diversão numa cidade considerada monótona, além de “um melhoramento excellente e útil, único aqui no gênero de sport”. O início da construção, somente em 1906, confirmou o sentimento de euforia. Conta o Estado de Minas: “No dia 6 [de janeiro] foi levantada a cumieira do pavilhão que se acha quase concluído faltanto as archibancadas. Hasteado o pavilhão nacional foi levantada ao estourar de foguetes, servido um copo de cerveja e doces”.
No contrato firmado entre a S.A. Prado Mineiro e o município, ficou acordada a instalação de linhas de bonde até o local, já que o hipódromo ficava a cerca de dois quilômetros do centro. Porém, essa cláusula demorou a se concretizar, o que provocou reações negativas nos jornais e críticas à Prefeitura na demora a estender as linhas além dos limites da Contorno. No fim, os bondes só chegaram ao Prado em agosto, um mês após a primeira corrida.
A inauguração do Prado Mineiro ocorreu em maio de 1906, em evento que contou com a presença do governador Francisco Salles, do prefeito Antônio Carlos e de cerca de 1.500 espectadores nas arquibancadas lotadas. A organização também ofereceu “um esplendido lunch e copiosa cerveja” e a festa se encerrou com um passeio pela pista do Prado.
A primeira corrida aconteceu em 8 de julho daquele ano. O jornal Tribuna do Norte noticiou um grande público e classificou o evento como “sucesso collossal”. O público que lotava as arquibancadas trazia uma configuração bastante conhecida. A historiadora Marilita Rodrigues destaca “o lugar elegante das arquibancadas, que era ocupado por cavalheiros, senhoras, senhoritas e rapazes da elite da cidade, e o pavilhão inferior que era ‘apinhado de povo’. Ao público pagante e não associado era destinado o pavilhão inferior”. Ainda havia aqueles que não podiam pagar pelo ingresso e tentavam assistir do lado de fora, mesmo que um pano colocado na cerca tentasse impedir.
Assim foram os primeiros anos do Prado Mineiro. Atraída pela novidade, a população belo-horizontina compareceu ao novo local de diversão na cidade e, por um breve período, fez do hipismo o principal esporte da capital. O sucesso era tamanho que o Diario de Notícias separou uma seção apenas para os esportes, onde, durante 1907, só se lia sobre o Prado.
A diretoria do Prado Mineiro, talvez por conta da diminuição do público, também atuou para estabelecer o esporte no cotidiano da cidade. Houve redução da comissão cobrada pela sociedade e do preço dos ingressos para acompanhar as corridas. Junto ao poder público, o Prado também viabilizou a redução das passagens de bonde nos dias de evento. Porém, nada disso bastou. Aos poucos o Prado ia ficando menos interessante.
A partir de 1908, nota-se a falta de encanto ao que ocorria no Prado. O jornal O Binóculo fez duras críticas ao “apático” povo de BH. “Com a concurrencia medíocre, realizou-se domingo ultimo a 3a corrida do Prado Mineiro, tendo sido muito commentada a indiferença do publico. É triste, é lastimável que a sociedade bellorizontina ainda não comprehendesse a necessidade que há de sanccionar com sua presença o esforço dessa meia dúzia de homens de boa vontade, que, num movimento de rara abnegação, resolveram dotar a capital de Minas com um divertimento moderno, agradável”.
Georgino Neto, pesquisador e professor da Unimontes, ressalta que “o entusiasmo com as corridas de cavalos parecia não empolgar demasiadamente a população local. Por ser um esporte reservado à uma esfera diminuta da cidade, de difícil acesso e envolvendo altos investimentos financeiros, o turfe não chegaria a ser uma prática duradoura no cotidiano de Belo Horizonte”.
Segundo Abílio Barreto, em junho de 1911 aconteceu a última corrida de cavalos no Prado. No ano seguinte, a S.A. Prado Mineiro se desfez e o terreno foi repassado ao poder público. O hipódromo, inaugurado com festa e presença de figuras importantes da cena mineira em 1906, estava depredado seis anos mais tarde. Até que o futebol se apropriou de vez daquele espaço.
A vida do Prado Mineiro enquanto espaço para corridas de cavalo esteve em situação oposta a do futebol de Belo Horizonte. Inaugurado no período de baixa do jogo de bola, o Prado viveu seus melhores dias quando o futebol estava adormecido, vindo a sucumbir na mesma época em que Athletico e Sport Club recolocaram o jogo inglês no cenário da capital.
Em 1909, já ocorriam alguns jogos no Prado, embora esse período fosse dominado pelos campos espalhados na cidade. O rápido crescimento do futebol após seu “retorno” demandava um espaço melhor para o esporte. O fim da S.A. Prado Mineiro proporcionou o cenário ideal para os cavalos darem lugar aos jogadores no antigo hipódromo de BH.
A partir de 1914, o Prado Mineiro se tornou o principal campo da cidade. Ainda naquele ano a Taça Bueno Brandão, que homenageava o antigo governador do Estado, foi organizada e disputada pelos primeiros e segundos times de América, Athletico e Yale, dando início a era do Prado no futebol. No ano seguinte, com a fundação da Liga Mineira de Sports Athleticos, os campeonatos passaram a ser contínuos e realizados no antigo hipódromo até 1923. O Athletico, que já havia vencido a Bueno Brandão, conquistou a primeira edição do torneio da Liga e o América acumulou sete títulos consecutivos nesse período.
O Prado também recebeu o primeiro Athletico x Palestra Itália, jogo que se tornaria o maior clássico do Estado. Ainda que fosse o primeiro encontro das equipes, a partida despertava interesse no público. O jogo, realizado em 17 de abril de 1921, “terminou com uma brilhante victoria do Palestra pelo score de 3 a 0”, nas palavras do Diario de Minas.
O futebol estava cada vez mais no gosto do belo-horizontino e o Prado já não comportava seu crescimento. O espaço era utilizado por ser o único com certa estrutura para receber o público, mas o gramado não oferecia boas condições para as partidas. Soma-se a isso a distância até o centro da cidade, as arquibancadas pequenas e o surgimento de outros estádios no Brasil que faziam do Prado Mineiro ultrapassado. O futebol de Belo Horizonte pedia um novo espaço e coube ao América providenciá-lo.
A construção e o fim do estádio americano. Clique para ler a terceira parte da reportagem